Um dia, quis aprender a andar de bicicleta, todas a minha amigas já sabiam e até tinham bicicletas novas e faziam acrobacias de rua com elas. Outros tempos, quando não existiam jogos em casa, dentro de casa, nos quartos à porta fechada. Nesse tempo, no tempo em que eu quis aprender a andar de bicicleta, os miúdos andavam na rua e queriam-nos na rua que dentro de casa só atrapalhavam.
Então um dia, um dia quis aprender a andar de bicicleta. Não tinha uma bicicleta nova, a que eu tinha era do meu avô, era enorme, já grande para o meu avô, maior para mim nos meus nove ou dez anos. Não chegava sequer ao selim para me sentar mas queria aprender e por causa dessa minha vontade fui ter com a minha mãe para me ensinar...Ela não podia, estava muito ocupada e além disso também ela tinha aprendido a andar sozinha, por isso eu que fizesse o mesmo. Pedi-lhe por favor anda lá, é só um bocadinho de tempo. Não posso vai lá tu sozinha! E eu fui, sem resmungar, sem falar mais nada, sem pedir mais nada, sem mais nada, fui. Fui para um caminho de areia eu e a bicicleta do meu avô, sozinha. A areia escorrega, sei isso agora mas antes não sabia: Não caí nenhuma vez, desequilibrei-me, sim, muitas mas não caí. E aprendi a andar de bicicleta, na bicicleta do meu avô. Estava contente, muito contente, aprendi sozinha como a minha mãe e fui-lhe dizer, contar a novidade. Mas ela ainda estava demasiado ocupada para me vir ver e apenas me disse que sabia que eu era capaz. Eu fui capaz mãe! E fui-me embora, sozinha, com a bicicleta do meu avô, procurar os melhores caminhos para a minha, também agora, bicicleta.
Eu já não pude ter uma bicicleta de qualquer dos avós, nem minha, tão sonhada por mim, aos 5, aos 6, aos 7, aos 8 anos e por diante...
ResponderEliminarOs meus pais entenderam que não necessitaria de bicicleta.
Aprendi a andar de bicicleta - por pouco tempo - na dos meus amigos, aqueles que a tinham!
A bicicleta é aquele meio de transporte, que transportamos, tendo a ilusão de ser transportados...
... Ora, quando podia ter meios económicos e independência para possuir uma bicicleta a pedal ou uma a motor, já havia muito... tudo isso tinha deixado de ter qualquer interesse para mim.
O automóvel substituira com todas as vantagens esse velho sonho, recalcado, e instrumento de desespero e "mortificação" psíquica.
Esta, a verdade sobre a bicicleta!
É de louvar essa tua persistência em aprender, mesmo usando uma velha pedaleira do teu avô!... Eis uma teimosia saudável, provando a ti própria do que eras capaz. É bom. Ou, foi bom!
No entanto, pela vida fora, hás-de reparar que às nossas teimosias - mesmo que saudáveis e viris - o que acontece é que deixa de fazer sentido insistirmos nelas, tomá-las como muralhas inexpugnáveis dos nossos "castelos", da nossa afirmação pessoal, tão importante para nós, porém igualmente tão insignificante no contexto social, no universo onde os outros voam...
A relatividade - em que tudo se edifica em nosso redor - destrói, dilui insofismavelmente com o passar dos anos, muitas das nossas teimas que se desconfiguraram elas próprias, sem alguém as beliscar sequer!
A poeira dos anos...