(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Não existe nada, só cansaço e não o cansaço da palavra, o cansaço é outro, é o peso de ombro a ombro, o corpo descaído, acoplado ao que se encosta, sem querer de se mexer, porque é nisso que reside o cansaço no não querer. E para quê querer? - Diz o cansado.  Estendido numa cadeira, sem posição de estar, e ainda assim ficar, a mão descaída em cima do nada, as pernas esticadas ao encontro do chão na procura do andar, a cabeça inclinada para trás, mirando um tecto opaco, sem visibilidade. E é nesse cansaço que me encontro, no não querer nada, não quero fazer nada, começar ou terminar nada. Ser nada é isso que quero, ser uma página em branco onde se escreve sem o vicio do antecessor, sentir só e apenas o que é e que existe no que se sente e não ser nada. Se não for nada posso ser tudo, se não for nada posso ir onde quiser, estar onde quiser, caminhar em todos os terrenos e espaços que circundam o meu quarto, a minha rua, o largo da minha aldeia. Nesse mundo que é dos outros mas também é meu. Olhar as estrelas como se fosse sempre a primeira vez, sem saber que são estrelas mas as amar como estrelas. Viver nos olhos dos bichos as vidas que vivem sem falar e conversar tanto como eles. Sentir a chuva que nasce da terra e cresce dos céus, quente ou fria como se quisesse ser ela, sendo ela, sentido-a a ela. A ela, toda ela que no sentir existe mais do que palavras ou vozes mas caminhos a percorrer sem nunca se atingir o horizonte, o limite ao que os olhos vêm. Limites? Será que existem mesmo limites por não vermos o que está para além do que vemos!. Quero então ser cega e não ver, quero ser surda e muda, passar adiante do que existe mas não ser nada e apenas sentir. Viver no sentir! 

4 comentários:

  1. Ao ler o teu texto...
    Sabeso que meveio de imediato à ideia, o que me fez lembrar?!...
    Um texto que poderia, se fosse mais longo e com mais conteúdo, ser colocado em cena. Em cena! Em Teatro ou em guião para Cinema.
    Talvez não tenhas reparado, mas é um excerto todo ele teatrializado, isto é, pronto para uma eventual encenação.
    Não é qualquer um que sabe escrever um texto para um drama, para uma comédia, para ser levado à cena!...
    Olha!...Deu-me vontade de... continuá-lo. De continuar a tua escrita... Porém, não me é lícito pegar abusivamente no teu texto tão bem conseguido e "inventar" um possível seguimento, que nunca iria dar a continuidade que pretenderias dar.
    Emília! Tens qualidades para escrita (e issio já eu sabia!...), e tens qualidades para diversos tipos de escrita, de escrita criativa. As técnicas aprendem-se depois, quando os dons, a qualidade já são reconhecidos.
    Pode o texto permanecer assim e aos actores e ao encenador ser dada total liberdade de o colocar em palco, de expressão; como podes detalhadamente transformá-lo em diálogos, interpondo ou não as didascálias, que julgares necessárias...
    Certamente que o classificaria na corrente de escrita teatral, do chamado Teatro do Absurdo do Becket... Concordarás ou não...
    Teatro do Absurdo é uma forma de texto para teatro muito apreciada. É mesmo assim que se designa.
    Uma das primeiras peças que se enquadrou neste tipo moderno (moderno, mas já com décadas...) de teatro foi a célebre peça "À Espera de Godot".
    Se reparares melhor quase que - ali no que escreveste - não falta nada, ou melhor, só falta continuar, porque este "Post" é uma pequena amostra, só.
    Gostei muito. Não previa que começasses tão cedo a escrever para encenar!

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  2. ...O que escrevi é exactissimamente o que penso. Não há ponta de lisonja. Trata-se de escrita criativa dramática, em prosa, escorreita e sã. Só restará colocá-la em falas...

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  3. Obrigada. Vou tentar expressar-me mais longamente.

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  4. MUITO LONGE DE PORTUGAL, NO ORIENTE...
    De dentro da igreja, ouvíamos o mar de encontro à pedra rochosa, as ondas batendo em ritmo cadenciado.
    Os cânticos entoados pelas crianças durante a celebração atravessavam em eco a única nave do edifício. Um altar singelo, enfeitado com algumas flores. Sobranceiro a ele a imagem de Cristo sofredor, pregado na cruz com a cabeça reclinada. Ornamentos, mesmo muito poucos. Um ar franciscano, pobre, pobríssimo, em contraste com a lonjínqua e bela e rica Úmbria, na distante Itália. Ladeando a mesa da celebração eucarística, em nichos escavados nas paredes, as imagens, com cores já muito apagadas.
    À nossa frente, uma avó transmitindo o testemunho da sua fé a um neto, de 7 a 8 anosde idade. Ensinava-lhe a rezar o rosário, cujas contas iam perpassando pelas mãos.
    Padre Wang, todo o ar de oriental, com palavras suaves, o semblante cansado, e olhar passeando solene por todos, com uma paróquia tão extensa e dispersa a seu cargo, rezava a missa vespertina, perpetuando pelo gesto e pela palavra a última Ceia de Jesus, ali, naqueles confins do mundo, onde os portugueses passaram muito mais do que umas vezes e ali assentaram praça militar.
    Cá fora, um calor húmido, abafante, adivinhava tempestade. As monções costumam marcar presença naquelas horas.
    Ali, todos nós, tão distantes dos ruídos da dita "civilização", tão longe de Portugal, e toda aquela simplicidade, diluída pelas vozes que rezavam, tudo quanto víamos encheu-nos a alma de uma nostalgia imensa, de uma angústia inexplicável que nos prendia de emoção todos os sentidos. Uma ou outra palavra parecia soar-nos aos ouvidos, como pronunciada em português, envolvida na febre que nos escorria pelo corpo.
    Ali, naquele recanto, aquela solidão entre mar, terra e céu, onde só o fio da religião e o murmúrio da Língua nos referenciavam em relação ao espaço e ao tempo, aquela solidão envolveu-nos imaginando o quanto de saudade e de lonjura desesperada os primeiros portugueses ali chegados não deveriam ter sentido...
    Estávamos na Malásia.

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