(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

E se te dissesse que sempre soube o que era e que sabia o que era e mesmo assim disse que não ao que queria, ao que cá de dentro falava e ouvia o que dizia mas que não queria? E se te dissesse que escolhi não ouvir o que dizia essa voz, que me queria só no que era e ainda assim dizendo que não, fiquei só? E se te dissesse que mesmo dizendo o que digo não te estou a dizer nada? Porque ouves e calas e não me entendes! 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"A figura"

Então e aqui estou eu, esta policromática figura que não consegue ser una, que passa da figura dormente e assente na planura de um vale para a ferocidade dos ventos no cimo de uma montanha acometida por uma tempestade sem hora de acabar. Extremos opostos numa figura só. Talvez por isso e talvez não me engane seja assim una e não dupla no outro sentido da palavra que também pode ser dupla. Leve como o ar, sem cor ou pecado se torna na cor carmim do mesmo engano, vozes doces, calmas de monstros adormecidos que ao acordar emergem num sem sentido de todo sentido, nascida do macho e fêmea é assim que sou, suave e perdida por esse rio acima. Louca ou meio louca de sanidade satisfatória de cidadã cumpridora dos deveres civis sem disfarce, mistura-se na miscelânea do que é e que não consegue compreender como viaja em extremos em segundos. Como ninguém se reconhece em duas línguas, também não me reconheço em mim própria. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

"Ele sorria de orelha a orelha"

Lembro-me quando ele veio para casa, era pequeno, muito pequeno, cabia inteiro nas minhas mãos e tinha umas orelhas engraçadas, eram enormes, quase que tropeçava nelas se eu não estivesse a exagerar só um bocadinho. Esteve connosco dezasseis anos, uma vida que para ele deve ter sido muito maior do que a que podíamos ver do lado de cá. Veio para fazer companhia à minha mãe e foi a minha mãe que passou a fazer-lhe companhia. Era muito bonito quando era pequeno e a pele era de uma suavidade imensa. Nas brincadeiras próprias da idade estragava sem querer tudo o que lhe aparecia pela frente, brinquedos e mais foram sendo trazidos ou dados pelos amigos e vizinhos para que o pequeno se sentisse feliz. Quando sorria, sorria de orelha a orelha, os olhos ficavam vidrados, abanava a cabeça e espirrava, quão engraçado era, batia com as mãos e os pés no chão como se estivesse a dançar o samba, como se ele soubesse o que isso era mas para nós parecia e ria-mos junto com ele. Quando ficou maior e a chamada adolescência chegou, ficou musculoso  os braços e as pernas eram fortes e não fazia mais nada do que correr, queria era liberdade, qual quê estar preso, queria era rua. Foi quando descobrimos que era meio surdo, e não tinha qualquer tipo de sentido de orientação. Perdia-se pelos campos e fazia a família inteira andar à sua procura, a chamar e chamar por ele mas ele nada, ele não ouvia e quando finalmente o encontrávamos parecia envergonhado mas a gente sabia que era tudo fita para inglês ver, na próxima oportunidade ele voltaria a fugir. Quis ter namoradas mas só gostou de uma e essa não o quis, estava apaixonada por outro, não sei sequer se algum dia deixou de ser virgem. Pobre rapaz! Viveu a vida como quis, não valeram de nada as reprimendas nem os avisos para se portar bem. Comeu e bebeu bem, sorriu e viveu feliz! Um dia quando era Verão e eu estava de férias fora de casa a minha mãe telefonou-me quase a chorar, a dizer-me que ele tinha tido uma espécie de AVC se assim se pode chamar, que ficara como que dormente do lado direito e parecia que tinha ficado cego. Estava a morrer e era óbvio que não havia nada a fazer. Disse para mim mesma que era uma coisa natural, afinal já vivera até mais do que o era suposto viver mas doeu-me, doeu-me a sério, era uma parte de todos nós que iria partir, tantas histórias vividas, páginas partilhadas e todas elas iriam desaparecer como lágrimas à chuva. No dia seguinte a minha mãe voltou a telefonar-me. O inivitável tinha acontecido, já era tarde, ela chorou e eu também. Chamava-se Bobi e era o nosso cão, o nosso amigo fiel e meio louco, o nosso Bobi. 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Linhas, curvas, textura, animal, cérebro, cerca, serra, certa, correta, corrente, presente, tigres, gatos, olhos, agua, rio, mar, barco, linhas, curvas, textura, animal.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Aprender a andar de bicicleta!"

Um dia, quis aprender a andar de bicicleta, todas a minha amigas já sabiam e até tinham bicicletas novas e faziam acrobacias de rua com elas. Outros tempos, quando não existiam jogos em casa, dentro de casa, nos quartos à porta fechada. Nesse tempo, no tempo em que eu quis aprender a andar de bicicleta, os miúdos andavam na rua e queriam-nos na rua que dentro de casa só atrapalhavam. 
Então um dia, um dia quis aprender a andar de bicicleta. Não tinha uma bicicleta nova, a que eu tinha era do meu avô, era enorme, já grande para o meu avô, maior para mim nos meus nove ou dez anos. Não chegava sequer ao selim para me sentar mas queria aprender e por causa dessa minha vontade fui ter com a minha mãe para me ensinar...Ela não podia, estava muito ocupada e além disso também ela tinha aprendido a andar sozinha, por isso eu que fizesse o mesmo. Pedi-lhe por favor anda lá, é só um bocadinho de tempo. Não posso vai lá tu sozinha! E eu fui, sem resmungar, sem falar mais nada, sem pedir mais nada, sem mais nada, fui. Fui para um caminho de areia eu e a bicicleta do meu avô, sozinha. A areia escorrega, sei isso agora mas antes não sabia: Não caí nenhuma vez, desequilibrei-me, sim, muitas mas não caí. E aprendi a andar de bicicleta, na bicicleta do meu avô. Estava contente, muito contente, aprendi sozinha como a minha mãe e fui-lhe dizer, contar a novidade. Mas ela ainda estava demasiado ocupada para me vir ver e apenas me disse que sabia que eu era capaz. Eu fui capaz mãe! E fui-me embora, sozinha, com a bicicleta do meu avô, procurar os melhores caminhos para a minha, também agora, bicicleta.