Falar-se de "uma vida real", obriga a que se defina o que é o "real" dentro de uma vida, neste caso a vida humana... Os "quadradinhos" que desenharam para nós, serão as estórias que nos contaram em pequeninos, sobre como aparecemos neste mundo de graças e desgraças, afinal o modo redutor e lapidar que os adultos usam para explicar as questões que as crianças levantam?! É que eles - adultos e sabichões - por mais que expliquem, nunca encontram resposta alguma que sirva a uma criança, depois muito falarem, de muito dizerem, e de meterem as mãos pelos pés, e os pés pelas mãos?... A vida é - será - aquela que nos coube!
Estava só a pensar que em todas as estórias que nos contam ou que são escritas para as crianças com réis e rainhas, princesas e príncipes, gigantes, lobos maus e afins, todas as personagens são ou bons ou maus, branco ou pretos, quando na vida real existe muito cinzento quem cada um de nós.
Nas estórias para crianças, como muitas das que os Irmãos Grimm deixaram escritas, não existe meio-termo!... Mesmo nas estórias do fabulário popular! Igualmente!... Já reparaste?!... E porquê?!... Porque se pretende mostrar às crianças, a virtude e o mal. Uma, tanto quanto possível distante do outro!... E estes, a virtude e o mal - feliz ou... infelizmente... - encontram-se nos extremos!... Tal com os amores galopantes, as paixões incendiadas e incendiárias, as obsessões compulsivas, que caminham para os fins, para o precipício, para o abismo, onde não deixam sombra, nem nada que os lembre, nem nada que paire sobre o perigoso local onde se precipitaram! O "cinzento" não conta nas estórias pretensamente morais, ou moralistas! Os assim-assim, os mais-ou-menos, são indefinições, meias-águas, que não assustam ninguém, não agarram, não amedrontam, não causam inveja, não são modelo para alguém! A moral faz-se, contrói-se com grandes ruturas, com enormes contrastes! Ou no tudo, ou no nada!
Olho a sombra, ali colada, junta, deitada sob a parede pintada. Das casas, nem um suspiro se ouve. A rua está um ermo. Mas, oiço a tua voz dentro de mim. Oiço-o, sim. Mais forte, agora. E dizes. Não me conheces. Nunca ouviste a minha voz. Como podes, então, ouvir agoar a minha voz. E respondo-te. A tua voz é voz de gente. Olha. Necessito de palavras de paz, de beleza, de harmonia. As janelas estão cerradas para conservar o interior casa fresco, esmagado pelo silêncio. O quintal detrás também adormeceu. Queria uma palavra que te criasse, que te invente nesta hora e para mim. É de ti que preciso. Da tua presença. Das tuas falas. Dos teus gritos, vindos da origem do mundo. Um homem caminha, casaco dobrado sobre o ombro. Vem aos tombos saído do álcool em qualquer bodega. Tu sabes. Tu ainda sabes. Eu amava-te, apesar de nos desentendermos amiúde. Tempos, que se dispersaram. E lembro-te, olhando minha mãe. E sorrias, porque tu sorrias quando nada te convinha dizer. Ou nada sabias dizer. Minha mãe à hora da morte, com o rosto macerado pelas dores, perguntou-me. Que vais fazer com isto. E isto eram mobílias, camas, a própria cama onde ela jazia com a sua doença, e mesas, cadeiras, roupas, os seus vestidos, e ainda estantes, livros, quadros, pinturas a óleo, utensílios próprios do dia-a-dia de uma casa, toda uma vida quase resumida a uns objectos e ao testemunho que encerram, a tantas presenças de carinho, de vitalidade. E eu fiquei parado. Nem palavra. Porque o melhor da vida, o amor, os afectos, os amores, as alegrias, os olhares cúmplices, a tolerância, os sucessos pessais, os projectos, as longas tardes quentes e infinitas em tempos de férias, o cair da noite e o estendal que se lhe seguia, as missas de domingo, o padre António, as beatas, as procissões, a quaresma, os dias felizes, os longos passeios à beira-mar, tudo se esvaíra, tudo passara para além. Não se divisava mais. A rua continua. Vivalma. Saio de casa. Vou vadiar até ao café do largo. Preciso de ouvir alguém. O senhor Tibúrcio desdobra-se com olhinhos de sono sobre o jornal, esparramado pelo balcão. Restos de uma cerveja, esquecidos numa caneca de vidro. Olha-me. Sussurra-me um boa tarde, em resposta ao cumprimento que lhe dirigi. E subo ao banco do balcão. Peço ao moço, ao Luís, um café. A sonolência da tarde enche-nos de vazio.
Emília!... Uma ficção que tem muito do que - no comum... - se entende por real. Sem a tua presença, sem a tua amizade, sem a tua compreensão, este texto ainda estaria por escrever... E continuaria aguardando por ser escrito.
Falar-se de "uma vida real", obriga a que se defina o que é o "real" dentro de uma vida, neste caso a vida humana...
ResponderEliminarOs "quadradinhos" que desenharam para nós, serão as estórias que nos contaram em pequeninos, sobre como aparecemos neste mundo de graças e desgraças, afinal o modo redutor e lapidar que os adultos usam para explicar as questões que as crianças levantam?!
É que eles - adultos e sabichões - por mais que expliquem, nunca encontram resposta alguma que sirva a uma criança, depois muito falarem, de muito dizerem, e de meterem as mãos pelos pés, e os pés pelas mãos?...
A vida é - será - aquela que nos coube!
Estava só a pensar que em todas as estórias que nos contam ou que são escritas para as crianças com réis e rainhas, princesas e príncipes, gigantes, lobos maus e afins, todas as personagens são ou bons ou maus, branco ou pretos, quando na vida real existe muito cinzento quem cada um de nós.
ResponderEliminarNas estórias para crianças, como muitas das que os Irmãos Grimm deixaram escritas, não existe meio-termo!... Mesmo nas estórias do fabulário popular! Igualmente!... Já reparaste?!... E porquê?!... Porque se pretende mostrar às crianças, a virtude e o mal. Uma, tanto quanto possível distante do outro!... E estes, a virtude e o mal - feliz ou... infelizmente... - encontram-se nos extremos!... Tal com os amores galopantes, as paixões incendiadas e incendiárias, as obsessões compulsivas, que caminham para os fins, para o precipício, para o abismo, onde não deixam sombra, nem nada que os lembre, nem nada que paire sobre o perigoso local onde se precipitaram!
ResponderEliminarO "cinzento" não conta nas estórias pretensamente morais, ou moralistas!
Os assim-assim, os mais-ou-menos, são indefinições, meias-águas, que não assustam ninguém, não agarram, não amedrontam, não causam inveja, não são modelo para alguém!
A moral faz-se, contrói-se com grandes ruturas, com enormes contrastes! Ou no tudo, ou no nada!
Olho a sombra, ali colada, junta, deitada sob a parede pintada. Das casas, nem um suspiro se ouve. A rua está um ermo.
ResponderEliminarMas, oiço a tua voz dentro de mim. Oiço-o, sim. Mais forte, agora. E dizes. Não me conheces. Nunca ouviste a minha voz. Como podes, então, ouvir agoar a minha voz. E respondo-te. A tua voz é voz de gente.
Olha. Necessito de palavras de paz, de beleza, de harmonia. As janelas estão cerradas para conservar o interior casa fresco, esmagado pelo silêncio. O quintal detrás também adormeceu. Queria uma palavra que te criasse, que te invente nesta hora e para mim. É de ti que preciso. Da tua presença. Das tuas falas. Dos teus gritos, vindos da origem do mundo.
Um homem caminha, casaco dobrado sobre o ombro. Vem aos tombos saído do álcool em qualquer bodega.
Tu sabes. Tu ainda sabes. Eu amava-te, apesar de nos desentendermos amiúde. Tempos, que se dispersaram.
E lembro-te, olhando minha mãe. E sorrias, porque tu sorrias quando nada te convinha dizer. Ou nada sabias dizer.
Minha mãe à hora da morte, com o rosto macerado pelas dores, perguntou-me. Que vais fazer com isto. E isto eram mobílias, camas, a própria cama onde ela jazia com a sua doença, e mesas, cadeiras, roupas, os seus vestidos, e ainda estantes, livros, quadros, pinturas a óleo, utensílios próprios do dia-a-dia de uma casa, toda uma vida quase resumida a uns objectos e ao testemunho que encerram, a tantas presenças de carinho, de vitalidade. E eu fiquei parado. Nem palavra.
Porque o melhor da vida, o amor, os afectos, os amores, as alegrias, os olhares cúmplices, a tolerância, os sucessos pessais, os projectos, as longas tardes quentes e infinitas em tempos de férias, o cair da noite e o estendal que se lhe seguia, as missas de domingo, o padre António, as beatas, as procissões, a quaresma, os dias felizes, os longos passeios à beira-mar, tudo se esvaíra, tudo passara para além. Não se divisava mais.
A rua continua. Vivalma.
Saio de casa. Vou vadiar até ao café do largo. Preciso de ouvir alguém.
O senhor Tibúrcio desdobra-se com olhinhos de sono sobre o jornal, esparramado pelo balcão. Restos de uma cerveja, esquecidos numa caneca de vidro. Olha-me. Sussurra-me um boa tarde, em resposta ao cumprimento que lhe dirigi.
E subo ao banco do balcão. Peço ao moço, ao Luís, um café.
A sonolência da tarde enche-nos de vazio.
Muito bonito, muito cheio do que é!
ResponderEliminarEmília!... Uma ficção que tem muito do que - no comum... - se entende por real.
EliminarSem a tua presença, sem a tua amizade, sem a tua compreensão, este texto ainda estaria por escrever... E continuaria aguardando por ser escrito.