Minha mãe tem medo dos mortos, dos mortos com que se sonha, dos mortos que aparecem sem estarem, dos mortos que têm medo, se assustam e fogem, dos mortos que falam depois de estarem mortos, dos mortos que nos chamam pelo nosso nome, que quando eram vivos não o faziam.
Minha mãe para eu não ter medo dos mortos, levou-me ao cemitério a ver os mortos, a vê-los em casa já mortos com os narizes, orelhas e boca tapados de algodão, embebidos em potrefação, a ver os ventres inchados, a analisar a deformação dos corpos por debaixo dos lençóis já amarelos da velação do dia e noite. É preciso tempo para que o morto seja declarado morto e seja entregue à terra, para ser antes de o ser é preciso autorização especial, no segredo de não se dizer nada, que à terra é preciso tempo e a ser antes ela pode-ta devolver.
Minha mãe me dizia para beijar os mortos, para dizer adeus aos mortos. Os mortos se despedem com um beijo no adeus! Mas saberiam eles que eu os beijava, notariam no frio, na caverna escura de onde eu não os via, que ali tinha chegado e no meu beijo quente lhes tinha acenado com um gosto de ti, desculpa, não te posso ajudar, adeus. Não havia resposta, não poderia haver, nada existia mais aqui!
Minha mãe não sabe que os mortos estão mortos, mesmo os vivos estão mortos, mesmo que venham e nos acheguem com queixumes e arrependimentos, estão mortos, estão mortos porque não ouvem, estão mortos porque não escutam, estão mortos porque não sentem.
Estão frios minha mãe, mas são os vivos que metem medo! Os mortos que vivem!
...Talvez seja isso que ela me quer dizer!
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