(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"Uma folha"

O vento levantou  uma folha, verde ainda por pouco tempo, que se desprendeu de uma flor e diz que agora é dele que a sopra para onde ele quiser. Mas o que ele não conta é com as pedras  grandes de musgo velho que no seu caminho se encontram, com as árvores de ramos esticados que se abraçam, com os passos das crianças que na praça correm, com as portas mal fechadas, janelas abertas, fontes cujas aguas fogem para o mar, flores sós de um jardim tratado, com todo o viver que vive em redor do vento. Uma ida e uma volta, outra volta e outra revolta, no cruzar dos espaços, nos tempos e passos, no continuo soprar que o vento provoca. Para onde irá? Quem saberá? Nem o vento o sabe. 

3 comentários:

  1. ...Era o tempo em que o vento reinava na diáspora dos sentidos. Uma folha fustigada soltou-se da sua árvore, do ninho verde nenúfar em que havia crescido, em procura da sua própria inteireza, da independência azul das coisas e das águas. Viajou possuída pelo vento que soprava da orla do mar. E dançou num corropio circulante. Dançou, dançou... Enunciava melancolia e fome de amor, dessa qualidade de fome que renasce hora a hora. E eu encostei a cabeça nos teus braços cruzados sobre os roliços peitos, procurando a definição do sono, a metáfora do desejo, mirando quanto me dizias... O estar ali, a inflexão mágica do teu ventre, a vertigem elíptica que se sente ao ser beijado, o toque invisível das mãos, dos ramos das árvores que nos cobriam. Fecharam-se-me as pálpebras. Os sentidos ardiam. Quanto se pressentia de sopro do vento em relação às folhas, no quente abrigo que as tuas palavras contruiam então... Recusava, de todo, o esquecimento, pensando que nascera tarde e poderia morrer cedo, que não teria tempo para te amar num amor inteiro, nos caminhos clandestinos dos nossos segredos, no trilho de ternura que nos enchia e na escondida verdade do pudor. Deitado no teu regaço, vinha-me à mente para onde iria a folha despegada do tronco, pairando na visibilidade suspensa do teu olhar ansioso sobre mim. Que me restava, senão a densidade e as sombras da nossa casa. Comovido percorri a envolvência do teu rosto quente, dos teus olhos húmidos. Sentia-me bem na fecundidade do teu estar, na dilatação serena do teu ser. Sibilava ainda pelos portais, o vento incansável cansado....

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  2. A folha que o vento leva e em que nos transformámos. Com a cor que a natureza a concebeu. Nua, simples como é. Sem atavismos, sem pretensão, sem mácula. Tal me faz lembrar a nudez de um corpo. A nudez, ou esse magnetismo de que os corpos são feitos e animados. Verdadeiramente um corpo é do mais belo que se poderia conceber. Dotado de uma beleza muito própria, inigualável, eleita. Nem sempre aceite pelo próprio/a, é certo, por motivos que não vêm ao caso. Também nem sempre aceite socialmente, por razões de despeito, inveja ou de ambição. Aliás, se pensarmos um pouco, o sentido da nudez não podia existir sem o olhar. É o olhar do outro que a define, que a caracteriza, que a classifica, que a denomina, que a impregna de sedução. Que a torna importante. Que faz com que a possamos não divulgar e reter. Por ele, por esse olhar erotizado nos tornamos mais semelhantes e mais próximos, em tudo. Pensei em dar a este pequeno texto o título "a nudez ou o último reduto". Mas, não. Porque o último reduto é o consciente. Não disse bem. Desculpa-me, a precipitação. O último reduto não é o consciente, mas o inconsciente. Esse, sim. E nele a nudez, toda a nudez é uma coisa muito séria. Maravilhosa. Singular, específica. Toda a nudez, como aquilo a que chamamos autenticidade . Com a mensagem plástica, incorporante, que a modela, e é tão nossa, tão íntima porque a sabemos apreciada, desejada, no âmago tão apetecível de receber, como apetecível de dar, de transmitir. É sempre o outro, olhando-nos, amando-nos, interessando-se por nós, que a torna maior, que dá mais força à nudez, que dá sentido à nossa própria nudez. À folha, que era igual a tantas folhas que se despregam da árvore e são levadas pela ventania, mas se torna única, autêntica pela nudez verde com que a queremos, com que a elegemos, e a colocamos no campo da nossa atenção.

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  3. O que pode parecer uma banalidade, pode transformar-se em obra primeira. Olhemos, pois, o quadro "Os Girassóis" de Van Gogh. Eis uma pintura, como um livro de culto... Porque nos devolve a dignidade de uma flor, "perdida" no anonimato das inúmeras flores de um campo onde a extensão e a lonjura perduram numa equação infinita. Igualmente inúmeros críticos de Arte ao longo do tempo trivializaram esses girassóis... Mais uma produção ao acaso na obra de Van Gogh. Todavia, o que representavam esses girassóis seriados, quase alinhados, para um pintor tão genial como Van Gogh? Não é possível saber. Restam muitas, um amontoado de hipóteses, e nenhuma verificável experimentalmente. A "calendarização" desses "girassóis" ainda hoje intriga quem os observa com detalhe e de uma forma pensante. Aquele amarelo... (O pintor gostava imenso do amarelo. É notoriamente visível na sua obra e na sua vida) Aquele amarelo assim aberto, signo de esplendor, feito de espanto e saudável orgulho, como relógio onde os muitos ponteiros são pétalas enormes sobressai como um grito!... Um grito! Não o muito conhecido de Eduard Munch! Se há quadro de Van, onde não existe silêncio algum, é neste!... Se puderes observar através da internet, vê, Emília. E ouve. Este amarelo soa a ruído constante. Ora, para dispender tanto tempo com os "Girassóis", em especial para um pintor que nã opintava com regularidade cronológica, um pintor que possuia horas paradas sem qualquer produção da sua lavra, talvez devido à doença (?) de que sofria, é porque essa vista de tantos girassóis o impressionaram na sua garndeza e na imensidade daquele campo vadio, mas cultivado, aparentemente banal, mas eloquente em termos artísticos. Representaram - perguntas - o quê? Demagogicamente, poderíamos dizer que se transfiguraram em "amor", porque não se pode viver sem amor, em especial sem o culto de algum amor secreto guardado no altar da nossa alma. Amores poderão existir. Tantos!... Todavia, se não houver algum escondido em nós, só nosso, inteiramente nosso e de quem o representa para nós, é porque amamos sim, e ao mesmo tempo achamos o próprio coração vazio, sem qualquer girassol que nos dê alento à vida. Mimetizamos unicamente o amor. Mimetizamos o socialmente correcto, para não ficarmos atrás, para nos enganarmos a nós mesmos também.

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