Deitei-me ao teu lado nesse pedaço de lençol que escolheste para dormir e sinto sem te tocar o calor da tua pele. O teu respirar, o ar já consumido pelo teu corpo sai agora ao encontro do meu. Não fechei os olhos, tenho-os abertos e olho não no sentido do teu olhar mas no contraditório dos teus, para ver o que está a sentir e não para onde estás a olhar. E fico assim por um tempo, imaginando. Abres os olhos e vês-me como se tivesse agora chegado quando já aqui estou há muito tempo. Não te conto. E sorris. E fazes-me sorrir num sorriso tonto, de orelha a orelha, de risinhos baixos, meios envergonhados por ter sido surpreendida quando te roubava um pedaço do teu dormir, um pedaço do teu sonhar.
...Era verão. Era a tarde nessas horas quentes que dilatam os corpos. Lá fora, o silêncio da rua a estalar ao sol. A persiana baixa, descaída, escurecia o quarto, convertendo-o numa caixa de penumbras. Os móveis, madeira simples e bravia, encolhiam-se nos lugares. Rezavam o seu próprio deslumbramento. Olhei a finitude do quarto. O fim da cama alongava-se até junto da porta escura com olhos de vidro fosco. Pela transparência possível, vinha uma luz ferida, opalina, feita de sal e densidade. E corria pelo meu corpo, sumido nos panos dos lençóis. Mas, pouco a pouco, uma moleza sulcav-me e crucificou-me, e neste estar, as pálpebras caíram. Um torpor maior e uma folha de sono invadiu-me, então, na ausência inconsciente que o dormitar consente. O meu estar não era o meu ser. Porém, sentia-me melhor no estar, e na doçura da cumplicidade desse estar.
ResponderEliminarNesse prolongado esvaímento das horas, tudo o que me era exterior, permaneceu fora. Quando a tarde amorteceu mais os seus frutos, descobri o teu corpo aconchegado, ali junto, tão perto, protegendo o meu. Eras tu. Eras tu na fundura do silêncio, perscrutando o voo do meu sono, a escutar numa pausa aquecida o escorrer do meu olhar. Enlaçaste os teus braços desprendidos no meu pescoço. E a tua cabeça tombou-me na arca do peito. Nada disseste. Nada disseste talvez porque tudo ainda guardavas para dizer. Sim, sorriste. E no teu sorriso, nesses acenos de riso sincopado, escrevias, escrevias, sem deixar escrito. Do altar do teu corpo tinha recebido o teu ser. Caíste-me no esplendor vermelho desse tempo tão célere. Estavas quente, senhora de um prolongado segredo. E as grandes contradições da minha vida, que não suportavas. E tu a perdoares-me essas contradições, esse incêndio que nos devorava. O amor transforma-se em consentimento, em condescendência, em perdão. O amor chegou a ser também isto. Contudo, tu sabes que o amor entre nós é o triunfo da beleza. Segue par além do maravilhoso. E muito há-de ficar para trás, não te estremeças. A minha melancolia ousada, as lágrimas de valor por te saber tão próxima, os meus vícios e erros (quem os não tem?!), talvez uma certa humildade em demasia, essa absurda capacidade de me deixar envolver pela vida. Somos a vida toda. E toda aquela, que nasce da invenção, porque é nossa à mesma.
... Se me roubaste "um pedaço do (meu) sonhar" é porque muito, muito tempo antes mo tinhas já oferecido, auscultando o pulsar do que nos unia.
Sem ti, não sei ser, apenas estar. Estar.
Restámos, ali colados na mesma face como se fosse preciso juntarmos desejos para tomar o mundo.
... Era a tarde morna, mansa, baixando, violetas roxas, lilases cobriam-nos o leito e o corpo, longes de poentes inundávam-nos a alma. A nostalgia de nós próprios. Sorrindo, sorrindo, éramos nós.
Só de vez em quando, um breve estalido da madeira no forro avivava o silêncio. Os cheiros das sombras, misteriosos e cheios de loucura impregnavam o ar que se respirava.
Um beijo, e repetia-se.
Sabes que os meus sonhos são sempre verdade ao teu lado. Uma verdade pronta a ser corrigida por ti. E só depois, será eles serão mesmo, mesmo verdade.
Era a tarde, lugar de nós, e vozes ao longe davam em ouvir-se. Que palavras me poderias ter dito, não sei.
O teu corpo presente era a mais alta palavra.
O que te distingue é estares continuamente em mim. Sem se fazer noite.
- Não tenho segredos, nem estorias para te contar! Todos eles estão escritos no meu rosto. Conta-me uma estória que me ajude a adormecer, quero adormecer aqui!
ResponderEliminarGostaste, pois, do meu (longo!...) texto ficcionado, escrito tendo como base aquele que inseriste no "Post", e como resposta a ele!... Ainda bem. O principal é teres gostado!... Emília!... Todos nós temos pequenos ou grandes segredos, e sempre muitas estórias para contar, que são fruto da nossa vivência...
ResponderEliminarNem sempre as estórias nos ajudam a adormecer... Por vezes inquietam-nos e causam-nos confusão... À laia de exemplo, os contos e todo o fabulário da Islândia, e o de outros povos nórdicos, como os da Lapónia, com os seus gnomos (os bons e os menos bons...), os elfos, a velha bruxa má que carrega aquele grande saco cheio de meninos que agitam as mãozinhas fora do saco a pedir auxílio, e que se "portaram mal"(!) - quando os adultos é que se portam sempre mal... - e ainda o gigante que possui uma força desmesurada, mas por tradição é bonacheirão, e amigo das pessoas, especialmente das crianças, a quem ele cede tudo. Olha!... Na Islândia, encontram-se pedras grandes, roliças, muito bem "aparelhadas" de origem vulcânica, e que as pessoas dizem terem pertencido a esses gigantes... Estranhas coisas tem o fabulário Islandês!... A paisagem é propícia a isso. Campos que gelam no longo inverno e regiões praticamente desérticas. Nada se cultiva ao norte... Pouca habitantes! Muitas horas de escuridão em extensos meses, durante o outono e o inverno, principalmente. As crianças vão para a escola de noite, têm as aulas de noite, e brincam durante essa longa noite, e dormem de noite. As janelas (cada janela...) das casas têm ao meio uma luz, sempre acesa, para quem passa saber que ali existe uma casa e vive gente!... O dia é uma fugaz claridade de duas ou três horas, no máximo, sem sol, devido à proximidade do pólo, do Ártico.
Ao sul na Antártica, é o mesmo mas em meses antípodas. Ao contrário.
A longa noite dos pólos é fria, gelada, silenciosa, interminável!... O clima e as condições polares, e os fenómenos geotérmicos da natureza geram nas pessoas a criação de uma mitologia muito curiosa e dinâmica. Não podes imaginar viver todo o dia, sucessivamente, quase de noite!... É nessa longa noite que os gnomos saem à rua e "ajudam" as pessoas, ou "vingam-se" nas que os desprezam!.... O dram infinito das grandes extensões geladas...