Do nada se cria a imortalidade, de uma pedra de areia a eternidade, de uma folha caída uma árvore grande robusta, verdejante mas intocável. A eternidade numa vida tão curta que a recorda revivendo em si tudo, tudo outra vez. Sem palavras falo, sem lágrimas choro, sem te olhar te explico na minha oração diária em que te encontro e te sinto onde tudo o que não foi e se foi existe. Viver em mim, por mim enquanto viver, quando deixar de o fazer não sei, por agora tenho de viver, para que essa vida viva em mim numa eternidade terrena, limitada mas imortal. Sem dor, que dor é sacrifício, pesar e sofrimento mas amor, saudade nos momentos de silêncios e sós em que os pensamentos à luz se revelam em encontros longos e duradouros de paz e desejo.
O quê?!... A Eternidade?... A Eternidade vem dos confins dos tempos e abarca todas as latitudes. Nunca em nossas mãos a poderemos segurar por momentos que sejam. A Eternidade é o invisível, o intangível, na estrutura do magma dos seres. A Eternidade eras tu e eu. E quem mais?!... Tu e eu, criados num momento único, vindos da interminável álea dos mortos, que entornam sombras inapagáveis, sombras mais espessas que a própria opacidade ilusória e quase impenetrável da grande maioria dos vivos que nos circundam. Enquanto isso, a nossa imortalidade flutua no seio das nossas aspirações. Somos desejo, paixão e perfeição, viagem à volta de nós, temporalidade desfeita em melancolia, com laivos de sentimento, o sentimento da realidade de um mundo visível. Olho uma pedra e extraio ternura, tanta que não a posso apagar na tua face, nas linhas dos teus cabelos. Quanto mais curto o viver, mais se estende a grandeza da nossa própria imortalidade, que só está em nós e não nos outros. No trilho que nos leva ao tempo precário do existir, o infinito procura o infinito sem o tocar. E será ele que nos leva ao ponto dos autênticos momentos de felicidade... Mas, que felicidade? A da renúncia? O renunciar é mais fecundo que a posse. No entanto, o desejo de ser feliz persiste, mantém-se vivo, faminto, sonhado e realizável, dor e alento, e todavia a felicidade ultrapassa-nos a um e ao outro, feita promessa, mesmo que os encontros nos pareçam solilóquios de paz "longos e duradouros"... E são. Contudo, a presença mútua no pensamento, essa é que poderá revestir-se de ternura e de durabilidade.
ResponderEliminarUma promessa...E quem é que promete?
ResponderEliminarA manhã levemente orvalhada trouxe-me rosas. Imagina como eram doces de olhar... E caíram doridas estremecendo nas minhas mãos em concha, chorando gotículas de sal. Peguei numa, desfolhando-a como se costuma fazer a um simples malmequer. Acabei em bem me quer. Por esse momento, o sol escondia-se, furtivo, por detrás das manchas que alastravam a luminosidade do dia. Era agora uma rosa despida na manhã agreste e perdida, descomposta, vadia, uma mágoa que me enchia o respirar, que me inundava de uma imensa solidão. Entrementes, o sol rasgou as nuvens violetas, forte e cheio de luz. Olhei. Aproximavas-te... Também vinhas chegando. Mas não reparaste na minha rosa, na mutilação que lhe provocara... E eu não tive coragem de te confessar. Nem sonharias mentindo por omissão.
ResponderEliminarEmília! Não interessa especificamente quem promete, quem é o sujeito prometedor. Pois, a felicidade é sempre intrinsecamente promessa e objecto, toda ela concepção do prometido, do desejo de algo de bem para o outro. Já reparou como a maioria das pessoas - no vulgar dos dias - desejam (prometem...)felicidade uns aos outros. Das bocas soam desejos prometidos de felicidade que não se concretizam, nunca se concretizarão, mas surgem prometidos, desejados, expresso com sorrisos à mistura. Não os olha assim?...
ResponderEliminarQue me importa as pessoas que falam sem dizer nada. Que me importa se desejam numa língua dúbia que tanto se suja como se ilumina. Que me importa se passam sem olhar de frente e se trespassam sem de cruzarem. Que me importa se for a única numa sala a ver o que está na janela e grito vejam, e ninguém olha. Que me importa se meu amigo o deixou de o ser ou talvez nunca o tenha sido. Que me importa se for apenas teoria e objectividade para ti. Se te disser bom dia, do fundo da minha alma te desejo que seja bom. Se te disser felicidade, do mar deste meu coração te imundo. Se te disser prometo-te, prometo.
ResponderEliminarPara a Emília, pelas suas tão belas mensagens, tão intimistas e genuinas, que aqui coloca, sobretudo pela sua sinceridade, pela sua coragem, por esse amor à verdade, por esse escrever com coração ao pé da boca - como soe dizer-se... Como a sinto em desassossego, envolta na procura, na pesquisa do saber e do sentimento!... Aqui lhe deixo uma página de um dos meus diários, um diário antigo é certo, em que volto a recordar o passado, em ambiente familiar...
ResponderEliminar... - As persianas corridas amortecem os ruídos e a penetração dos cheiros, mas sente-se um certo aroma que exala das roupas, dos móveis, do ar que respiro. Quando chegava aguardavam-me água limpa numa bacia de esmalte para que me lavasse da poeira, dos suores transpirados, e toalha para me limpar, e depois lençóis frescos cheirando a marmelos e o calor familiar com que me recebiam naquela casa térrea, pintada de cal com a porta de reixas, cujas madeiras estalavam em tardes soalheiras. Afago o cadeirão de verga onde dormia a sexta, às tardes, num tempo infinito e convidativo, num tempo meio perdido em contemplação. A sexta!... E porquê a designação de "sexta"? Por esta hora ser entre os Romanos a sexta hora do dia?!... As coisas não se tranformaram tanto como poderia pensar. Eu é que me transformei. O pó cobre a mobília intacta e os bibelôs de vidro sobre os crochés das mesas. As figuras, inalteráveis como as pedras. O relógio de parede, esquecido e dormente. Mas, olho novamente as figuras... Dir-se-ia que não têm uma ruga a mais e que o hábito as conserva naquela sala escura, vestidas de negro como se fossem retratos emoldurados nas paredes. O tempo permanece suspenso... É possível? Pergunto-me. Não acho resposta. Aqui, minha mãe às noites repartia sonhos e febres comigo. Sentado naquela cadeira basculante meu pai, alma austera, simples, sonhadora, lia, lia, incansável, absorto, quase interminável. A Luzia (como eu gosto deste nome!...), sentada na sua cadeirinha de tabua vertia lágrimas sobre os trabalhos escolares. Volto a esta velha casa como um animal peregrino ou barro de Deus, volto a sentir-me no começo de ser grande, na vontade juvenil de ser homem depressa antes que a infância se me termine. E aqui estou. Volto a desejar ler a vida que de mim nunca se apagou. Os mortos ainda comandam as nossas vidas, mesmo sem nos apercebermos disso. Uma multidão deles ainda nos obriga a sermos nós com algo deles à mistura. Como nos ensinaram. E esse ensino vingou dentro de nós. E as vozes deles ainda se me abafam para que sobressaia o silêncio que me escorre no corpo, a ausência de outros ruídos que vão nascendo... Eis-me só.
Estamos sempre sós e sempre acompanhados. Tenho saudades dos momentos logo quando estão a acontecer, sinto uma certa melancolia no segundo a segundo que passa, da efemeridade de um todo. A vida escorre-nos das mãos como se fosse areia do deserto, tão frágil e irrecuperável. Nada se repete e é tudo tão curto e enorme, tão pesado e doce. Costumava pensar que o melhor seria morrer antes que tudo se perdesse, antes que a vida se acabasse porque eu simplesmente não conseguiria sobreviver a ela. Já não desejo isso, prefiro (se me for permitido), sobreviver a todo esse passado presente e fazer todos os dias dessa morte vida... Eis-me aqui.
ResponderEliminarA saudade possui em si mesma o sentido de perca, de algo que estimámos, que nos adorou, os momentos que vivemos e nos transformaram e se diluiram na vertigem do tempo. A saudade é um doce--doce, que nos pretende aliviar, fazendo-nos sofrer... Emília, a sua sensibilidade encanta!... A Emília possui uma qualidade pouco frequente que é essa agudíssima percepção do tempo, do fenómeno do tempo, que escorre enquanto olhamos o plaino em ele muda toda a coreografia, todo o cenário e igualmente os personagens em cena. Os outros e nós. Continuo a lê-la. O que escreveu está bem observado! Nada se repete, mas... nós temos sempre tendência a repetirmo-nos, ou a acharmo-nos repetidos, quando no real nunca nos repetimos. Do tempo que passou nunca se regressa, não é?... Essa sua ansiedade, que a faz vibrar, esse desassossego de que eu lhe falei. Ah!... Essa sensação de que "morremos" se não soubermos agarrar o presente, utilizando-o como escada para alcançar os dias que hão-de vir, tudo isso está ainda bem presente, quanto a mim. A sua escrita revela-o. No entanto, a vida pede que a vivamos, em sintonia com os seus ciclos próprios, os seus amuos naturais. Vivê-la é o objectivo maior! Conhecer os meandros em que o viver se gera para tirarmos o maior partido dele. Os outros são a nossa mais alta razão de vivermos. Especialmente, os que amamos. Pensando neles, nunca estamos sós, mesmo que a sua ausência física nos atormente. Enquanto isso as nossas almas sentem-se famintas... Corramos, sim, em direcção ao futuro. Que nos estará reservado?!... Sempre um enigma, porém um enigma apaixonante, que nos deslumbra. Já alguma vez se debruçou sobre a verdadeira essência da alma feminina?... Sobre a dualidade na mulher? Sobre o seu arquétipo ancestral, que vem da mulher "selvagem"? Em cada mulher duas mulheres... E que é um estigma que também existe no homem, no homem "selvagem", mas um tema menos abordado, menos estudado. Em como as mães se preocupam com a iniciação as filhas, e essa mesma iniciação quanto as marca para toda a vida? A mulher "natureza", por outras palavras. Para pensar.
ResponderEliminarTalvez se lhe tenham tornado confusos os últimos parágrafos deste meu último texto... Não se sinta na obrigação de lhes dar resposta. São termos e expressões usadas no mundo da Psicanálise. A "dualidade" é um tema interessante, porém impressiona... No entanto, apresenta-se como um caminho útil, de um alcance extraordinário, para explicar muitas das reacções do ser humano. Com muito apreço, sempre.
ResponderEliminarNão, não são confusos, apenas não quero falar. Fica para uma outra oportunidade. Obrigada.
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