Normalidade é ser igual, nos mesmos ritmos, seguimentos e atitudes que tudo ou o tudo que se conhece. Seguir na mesma trilha o mesmo caminho, cegos de que é essa a soma correcta da matemática da vida. Mas quem foi o primeiro a dizer e fazer, a quem foram dadas as regras a seguir e cumprir, onde está o contrato redigido e ao qual se deve o dever de respeitar, por qual objectivo ainda assim olhamos como se fosse esse o cálice dourado. Felicidade. Posso me desviar desse caminho, ser desigual, tentar ser desigual, porque nessa igualdade não se reflecte o que procuro, porque para mim vendem a igualdade como verdade, tratando-se de uma mentira. Posso viajar numa longa tarefa auto-imposta na busca da minha regra de felicidade e no final quando o cansaço me fizer descansar essa dita normalidade será e é tão desigual. Sempre queremos o que não temos como se o que não temos fosse melhor do que o que temos.
... "Sempre queremos o que não temos como se o que não temos fosse melhor do que o que temos"... de acordo, Emília! A insatisfação humana não pára, é contínua, é um puro desassosego, e apela sempre a uma completude mítica, que não conhecemos o que é, tal a sua complexidade intrínseca e a que gera à sua volta. Como sujeitos insatisfeitos atigimos melhor os poucos momentos de felicidade das nossas vidas, do que provavelmente imersos em pequenas satisfações fragmentadas, mascaradas de uma satisfação plena, para ser mirada pela apenas socialmente. E o que é uma satisfação plena?... Certamente algo de muito pobre e insípido, mais ou menos valorizada socialmente segundo o grau de instrução, a maior ou menor sensibilidade e sentimento. A normalidade, ou o que se entende no comum por normalidade, é praticamente "nada"!... A normalidade foi criada ou conceptualizada pela sociedade por razões de medo, de receios recalcados, para a cercar de regras, espartilhá-la em conceitos que têm a ver com o bem e o mal, com o que parece correcto e com o que se combinou não ser aceite pelos outros, pelo grupo(s) em estamos inseridos. Enfim!... Desta maneira, vivemos numa sociedade de cariz hipócrita que se rege por regras, por normas envernizadas, "brilhantes" e lustrosas, manto que é pura aparência, verdade de fachada, como é uso dizer-se. A normalidade é um modo de nos classificarmos e rotularmo-nos uns aos outros, pois que adoramos rótulos, arrumações, não de coisas, mas de pessoas. Aqui, sim, se pode proclamar que a normalidade com todos os seus próprios atavismos serve mesmo à medida o narcisismo de cada um e o narcisismo do colectivo. Não?!... Normalidade é carreirismo acéfalo, seguidismo cego, próprio de gente que não pensa, que nunca analisou e jamais se analisou.
ResponderEliminarEmília!... Escrevo-lhe textos demasiado extensos... E penitencio-me, perante si e perante outro(s) quaisquer leitores. Textos extesos, assim, não a aborrecem?!... Exija-me ser mais sintéctico, mais breve. O prazer de ler será igual, e não a assalta o tédio, esse aborrecimento que é uma doença sem cura possível. As minhas sinceras desculpas, pois. Tentarei ser mais sucinto.
ResponderEliminarDedicado à Emília, com apreço pelo seu talento...
ResponderEliminar(Em jeito de poema, ao sabor do pensamento rápido...)
Haja alvoradas, luzes que se filtrem por entre sombras das árvores, ninhos revoltos de amor contrariados, assomos de ousadia no começo dos dias. E vieram vozes e assobios esgotando-se em palmos de areia na floresta, na floresta que era tudo e nós, nós que eramos nada, um nada dissolvido em chícaras de café, sonhando quimeras, nas tardes quentes de um sol de fogo... Alvoradas de respiração, como eu vos quero!... Rosto com rosto. Vejo-te, olho-te em passinhos miúdos nos pegos da relva chã da campina, encharcados de água da lagoa... E discutíamos os dias que haviam de vir, sem termos projecto, sem acharmos amargo e doce para encher as nossas bocas, sem termos amor para os preencher. Sim, longos concertos de vontades, aninados pelas vozes que ouvíamos ao longe e nos chamavam... Era à tarde, o sol amortecido, decaindo, emergindo na linha do horizonte, e tomei das mãos um fruto, era uma laranja, lembras-te, e tu voltavas, absorta, cabisbaixa, pensante, remoendo atitudes e descaminhos velhos de tempos. Eras tu, amor que vinhas aconchegando-te naquele casaco amarelo com que te conheci, de mãos nos bolsos, regateando frases, ideias forjadas em momentos de renúncia. Os dois. Agora. Ali. Apenas. Voltei-te o rosto e beijei-te furtivamente, esperando que reagisses, te negasses. Mas tu não. Tu pertencias aos meus amanheceres, tinhas-te deitado comigo na cama do sol, quando surge na manhã das nossas vidas e nos despertava... Como me lembro. Era agora a noite a afastar-nos. Silenciosamente a fujir-nos, a separar-nos, sem sombra de pecado nem medo. Revolver o tempo, eu queria. Tu com o ventre inchado, doído, resfolegando cansaços, trazias-me a notícia do médico. Não poderia acreditar. Não queria! Lembras-te? Disseste-me somente. Tenho um tumor. E fechaste-te a soluçar. E tens de ser operada? Não. Retorquiste. Já não é necessário, disse ele. Tudo se aproxima do fim, percebi. Olhaste-me de frente, decalcada em coragem. Em coragem... Não me perguntes mais nada, por favor! Quero estar só. E eu obedeci. Calei-me. Daí a um mês, a tua mãe lamentava-se. Calaras-te também. Em mim, no fundo de mim mesmo, ainda continuava a escutar a tua voz, os teus ralhos que preencheriam os meus dias. Até que eu me cale...
...sem dizer adeus. Obrigada.
ResponderEliminarNão me peça que lhe diga para não escrever, para encurtar a fala, partir a cena em metade. Seria como despejar uma caneta cheia de tinta e ideias fora, pedir ao sol que não brilhe apagando-se as memórias de luz, pedir ao vento que não sopre o sussurro da noite, os pensamentos e sentimentos das insónias, não me deixar chorar as lágrimas guardadas como diamantes por lapidar.
Sentia as tardes longas e escorridas de silêncio. Nunca mais as recuperei... Estava só, suspenso no enigma dessas horas adormecidas. Ardia o calor para lá das janelas. E pensava em ti, no interior da minha ausência em ti... Fazias-me falta. Erámos amigos. E brincávamos...Fica mais um pouco. Espero-te, ainda. Naquela tarde em vão esperei e não vieste. E eu sentia-te tanto, especialmente com a tua presença, os olhos pespegados no meu rosto, de faces rosadas e cabelos longos cobrindo-te as costas. A saia rodada, demarcando as coxas, os braços balanceando, a boca entreaberta com querendo dizer alguma coisa sem articulares palavra. Escutávamo-nos nada proferindo. Os teus peitos roliços e cheios adivinhava-os por debaixo da tua blusa vermelha. Trocavamos gostos, dizeres... Cada um revelava os seus sonhos vespertinos... Ias na sala em procura dos meus pais. Ias beijá-los. Como tu gostavas de vir a minha casa! Não sei se por mim, se por fugires ao ambiente dos teus. Sabes?! Volve-me à memória a figura de minha mãe debruçada costurando. Meu pai em tom sério ao lado absorto nas leituras, folgando naquele cadeirão em que eu adorava estender-me, porque sentia-o mais meu que dele. Complexo de édipo, provavelmente ainda não resolvido... Não mo perguntes. Não sei. Por esse tempo inundado de poalha, dessa poalha que se filtrava voando nos fios de sol que penetravam pela madeira, era vazio o silêncio que se ouvia rachar como lenha apertada. Escuta-me! Tive que inventar as tardes de um tempo que zurzia o meu inconsciente e tudo quanto nele gemia. Já não saberei voltar a elas, senti-las no estranho e mágico poder que aquelas horas detinham. Nem já posso voltar a ti, à tua sombra. Contigo, as tardes eram doces como mel. Sem ti, enfadonhas porque me traziam solidão e sombras. Brincava imaginando gente e estórias, sombras e medos... Oh,as minhas sombras!... Elas me esmagavam... A do candeeiro de petróleo espargindo riscos na parede da sala de jantar. Com o abrir da noite, reuníamo-nos na larga mesa redonda para o jantar. Depois, a reza do terço, as avé-marias engolidas à pressa, jaculatórias pegadas umas às outras.Ia-me deitar na doce paz de uma salvé-rainha, naquela cama de madeira de castanho, com a luz suspensa poisada na cómoda calada. Quando avivei a chama, projectou-se instantaneamente a minha própria sombra enorme (nunca eu, na minha pouca idade a supusera tão grande!...) cobrindo parte da parede pálida do meu quarto e ela jogava-se oblíqua alcançando o tecto de réguas alinhadas. Quantas sombras se assomam ainda, vindas da profundidade desconhecida das noites da minha infância. Quantas. Nada mais soube de ti. Nem tu sonhaste quanto o teu corpo comigo caminhou no lume da vida. Onde moras? Agora. Se não tiveres onde morar, onde ficar, fica com a certeza que moras ainda no meu coração.
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