(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"Fome"

Poderei viver sem ter. Atravessar sem sentir ou exigir a troca na mesma volta. Posso só passar mas sem desejar, de olhos fechados vendo as sombras, jogos de luzes e cores. Caminhar pela estrada descalça, sentir as pedras que se cravam na carne, sentir a água dormente que trespassa os ossos e descongela na pele quente, esponja desse sal. Quero aquele todo das histórias infinitas e não finitas, a aurora boreal, a que continua e não inicia na quebra da  instalada dúvida. Posso viver no breu sem conhecer o céu, seria sobreviver e quero viver o tudo do nada, gozo, conforto, paz, prazer, alegria e fome. Tudo isso me apraz no  porto que se vê crescer no horizonte. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Ao lado"

Adormeço no mesmo lado, acordo no mesmo lado e ainda que diga que não o faço, porque fazer seria assentir numa verdade que ainda não foi julgada, ainda assim o faço. Caminho pela estrada paralela os mesmos passos como se por ser ao lado não fosse o mesmo. Quão louco é o que se nega por não saber a verdade, vive o passado como se do futuro se tratasse e esquece o presente por ser tão diferente. Alguém chama e a realidade clama, um sorriso se mostra, uma folha caí para logo o vento a levantar e levar a cortar a luz do sol que se mostra no leito do rio com cores quentes amaciando o tempo das andorinhas, respiro fundo o ar frio que limpa e  clarifica, voam os meus passos e adormeço e acordo no mesmo lado. 

"Hoje não há luar"

Uma rosa vermelha que vermelho a luz lhe trouxe, mas se não o fosse seria ainda rosa que rosa não é nome, nem cor mas flor. Hoje não há luar e as estrelas  no céu  as conta, o vento a sopra e a agita ao seu sabor mas de  raízes se agarra à terra onde plantada fora, com mãos dedicadas da esperança de a poder abraçar mesmo que agreste as possa magoar. Não importa a efemeridade da cor, da beleza ou dor se é o seu perfume que perdura e aviva a memória de um só olhar, de sonhos imensos, de ternuras sóbrias,  da vitoria de liberdade por se saber a verdade. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Espelho meu"

Espelho meu consegues ver alguém daí, porque daqui não vejo mais do que a planura lisa, dimensional e perfeitamente palpável do quadro surreal. Consegues ver o que vejo, és cego, sussurra-me, sopra-me ao ouvido esse vento quente de palavras difusas de dentro para fora. Consegues ouvir o que te digo, não me negues. Consigo ver quase por inteiro a cor do teu avesso, sim disse quase porque não ver tudo é deixar-te ainda um fundo que talvez não seja descoberto porque não precisava de o ser, mas que me faz procurar-te outra vez. Existe essa vaidade em mim que te assiste em me rever e olhar nas águas que a luz atravessa a uma velocidade menor que a de cá de fora fazendo o tempo passear em linhas curvas e extensas. E entre o ser  e o parecer nos encontramos, por vezes nos vemos mas nem sempre nos amamos. 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Só"

A palavra é um vomitar do que se tenta explicar. Significa nada, está só, isolada, perdida se a ela não se associar o corpo, o tacto e a voz. Conto as palavras de uma árvore na esperança que ela se revele mas poderia viver uma vida inteira sentada na sua frente sem as conseguir conhecer a todas. Um todo não é a palavra que o sol trás e o vento leva, a palavra é a profundidade do olhar de um cego, a coceira da perna amputada, a sinfonia de um surdo, o recital de um mudo, o cheiro sentido numa mãe de um filho perdido.  

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

"O tempo"

Olho para trás no pressentimento de ter deixado algo esquecido mas nada resta, tudo parte. O que é que ainda não encontrei se continuo com o mesmo vazio que não foi ocupado. Se não esqueci então perdi, se não está atrás estará adiante e talvez assim o meu olhar alcance o que for que se esconde. Estico os braços, forço, para fora, mais fora, os ossos estalam, esticam um pouco mais e encolhem, recolhem e aquecem. É este o tempo.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

"Palavra"

Herói de olhar
Noites perdidas em sonhos a ver
Não esperar nada e viver de tudo
Flores vivas no Outono despido
Soco no estômago de uma pena
Miragem em deserto de areia fina
Dom Quixote e Sancho Pança pesados na mesma balança
Mapa de estrelas que sem tocar se guia
Suspiro profundo em jeito de grito
Palavra em forma do que não quero dizer

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Dias"

Um dia no céu no outro na terra, um dia o sapato o outro o pincel. Dias vão e vêm em montanhas e vales de sol estendido e de lua ao alto. Nada se repete por igual nem o amor nem a dor. Voo de Ícaro em esplendor maior que cai na realidade em rigor da gravidade. Perdidos guias ganhamos vias para uma nova ascensão, para um novo dia, um amanhã que aguarda em seu destino o já de si guardado. 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Arcadas"

Tempo de espaços vagos, vazios ocos, repetição de olhares perdidos, sonhos de outros lugares, pensamentos em melancolias prenhe de desejos não cumpridos, não importa ou se importa a hora é agora, a de entrar nesse deserto de apenas esperanças, de realidades ilusórias, e no entanto talvez já tenha partido, e é lá que ele está, o órgão que pulsa a vermelho vivo a pura arte da fantasia. Alguém caminha a meu lado, mas não sei quem é porque não o vejo, não o ouço, não o sinto, a minha mente corre em outra estrada numa outra direcção, onde vou, para onde, para quê, porquê e porque não se esse não me faz sair de mim e voar para as arcadas do meu sorriso que o faz levantar mesmo quando não o vejo, e vêm em mim a mim como se viesse do fundo de um sonho. 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"Porto"

Quão longe estamos
Quando não somos
Mas ser é tudo
E é sempre encontrado
Nos campos verdes
Na água cristalina
No sol que queima
No vento que beija
Perder-te é sempre encontrar-te
Nessa busca constante
De vento crescente
Bordão de Esculápio
Fonte de águas mansas
Arcadas
Do meu Porto.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

"Beijos"

Fio de cordel que me cruzas os dias, o temor, a perdição, a luz de dia e noite, a esperança e a ternura num laço cego. O passado está presente naquela janela aberta que deixei depois da porta fechar. O meu mundo, o nosso mundo é o mesmo, sempre o foi e sempre será. Não vêem os meus olhos mas toco e beijo nas lágrimas quentes que me fazem lembrar e não esquecer. O vazio está cheio porque estamos lá nesse lugar inventado e presente de chuvas nossas. Beijos me escorrem na cara vindos dos céus, expansões onde nascem as estrelas. Um momento, uma promessa não cumprida não pedida mas desejada que partiu e não fiquei mas fui. Fui e não mais voltei porque se voltar aquele diamante reluzente desaparece de mim. O meu precioso o meu mais bem amado doce o meu pedaço de vida em abundância. Não, não peço perdão, sem arrependimentos vemos-nos  ainda uma vez mais.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

"De malas prontas"

Minha ternura
Minha longura
Que não perdi
Não me arrependi.

Espaços vazios
Cheios
Lugares imensos
Sós

Escuro da noite
Luz aceite
Chuvas tempestuosas
Ventanias soltas

História sem fim
Com cheiro a alecrim
Carregado de palavras
Estou de malas prontas