(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

terça-feira, 31 de julho de 2012

"Marcado"

Marcados, somos todos marcados, marcados pelo que se sabe e não sabe, pela forma como se fala. Somos marcados pela roupa que se veste ou pela falta dela, pela sola dos sapatos, tortos, direitos, certos, correctos, por tudo somos marcados. Pelo sitio onde moras, com quem falas ou não, o que dizes e calas, pelos silêncios ou falta deles. Pelo tom de voz, altura, timbre, som. Somos marcados pelo lugar onde nascemos, pelas condições em que se deu o acto, pela cor, posição social, crenças, valores, somos marcados pelos nossos próprios marcos, por tudo somos marcados. Digo que não sou nada e por esse nada sou julgada, porque o nada também é alguma coisa que pode ser pesada e medida a ser avaliada como sendo forma consistente a ser aceite ou não. Que peso tenho eu digo eu, do sitio onde nasci, porventura fui eu que decidi! E se fosse te diria que sou eu que faço o lugar e não ele a mim, por isso que importa onde estou e o que pareço, com quem vou, de que cor me apresento. Se não souberes ver para além do que os teus olhos vêm, jamais verás quem sou e quão profundo e marcado o meu beijo em ti será. 

segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Pena"

Que inveja tenho dos homens do mar para poder escrever na areia. Poder usar a palavra no momento em que ela nos busca e fazer os riscos do que nos diz. E as ondas na pressa que têm lavariam as letras mas as levariam para a outra banda onde alguém as pudesse ler. Mas as minhas muitas vezes ficam por dizer, e quando as quero dizer já não são as mesmas porque me vendo pelo trabalho que me prende as mãos e a mente pelo que hei-de comer. Que sorte a minha de ser a pena de um tinteiro que não tem onde escrever. 

domingo, 29 de julho de 2012

"Ideias"

Quero ser viajante de ideias, construtor de imagens, criador de páginas soltas. Caminhar nas estradas ainda não abertas, por desbravar, tocar nesse todo que existe e fazer dele um pouco meu também se assim o Jardineiro me permitir. Sei que não posso fazer melhor do que já é nem é essa a minha audaciosa esperança, só quero ser uma gota de orvalho que molha as rosas do jardim, e as faz mais belas, mais vigorosas, com mais cor, no seu perfume, fulgor, presença, criadoras de muitas estorias, memórias, sentidos do ser e não ser, beleza de estares na forma de estar. 

"Uma coisa"

Tenho uma coisa atrás das costas, e chamo-lhe coisa porque ainda não tenho outro nome para lhe dar. Tento chegar a essa coisa mas está num tempo tão longe, num espaço tão vago que por muito que estique os braços e estique as mãos colocando os dedos em profunda extensão não lhe consigo chegar. E essa coisa continua lá atrás, num lugar onde sei que está mas onde não lhe chego, com o peso todo que coloca nas costas, no incomodo que faz sentir por ser exterior à minha carne, por ser um excerto que quer criar raízes em mim sem que eu queira, como um cancro benigno que não mata mas se alimenta do seu paciente, hospedeiro, cliente. Carrego essa carga não por umas horas, não por uns dias, não por uns anos mas uma vida quase inteira, que por muito curta que possa parecer aos outros a mim parece-me muito mais longa, muito mais longe de onde estou e me faz andar mais à frente do que onde deveria estar. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

"O que eu quiser"

Nunca serei alguém que sabe sem sombra de duvida o que quer fazer, nem no presente nem no futuro, aliás nunca o soube no passado, nunca tive a tal da iluminação que outros dizem ter tido e que lhes revelou qual o seu propósito de ser. Nunca fiz grandes planos, grandes projectos, grandes ensaios, investimentos. Sou basicamente um acumular de muitas coisas por fazer. Não tenho grandes sonhos, faço tudo e continuo sem saber de nada. Envolvo-me em cada projecto como se fosse um caso de desespero, dá-me alegrias mas muitas frustrações por não estar melhor do que o que devia estar, que se não for acabado como deve ser, como é suposto ser, me consumirá como o meu fracasso humano por me ter permitido a desistir. Não sei o que quero, qual o meu projecto de trabalho, o que vou ser, para onde vou porque nunca percebi porque tenho de ser uma só. Mas eu sou uma só, só não sou uma numa coisa, sou uma em todas as coisas que quero ser. Não sou uma no grande plano sou uma em cada plano.  Sou a cotovia, o mar, o largo, o prado, sou o que eu quiser.  

domingo, 22 de julho de 2012

"À noite"

Esta noite acordei, acordei não sei porquê só sei que acordei com uma luz do lado de fora do meu quarto. Era a lua que brilhava numa noite muito escura sem que se visse viva alma na rua, nem gatos nos cimos dos telhados que a desejassem nem vagabundos que debaixo dela sonhassem. E eu nesse transe da luz cheguei-me à janela, uma dessas janelas do meu quarto que nessa noite estava aberta e sentei-me no peitoril, não estava frio nem calor e um vento manso soprava ao de leve, esvoaçando os cabelos para o rosto e a roupa para fora do corpo. Apeteceu-me saltar a janela e ir por aí fora a andar, apenas caminhar nessa noite de luar e assim o fiz, os meus pés colaram-se ao chão do lado de fora da janela, na terra fresca que sem se ver que é terra se sente por entre os dedos. Por aí fui. É fácil caminhar na noite, mais fácil do que de dia, não que esteja habituada mas pareceu-me natural. Não se encontram obstáculos na noite porque não se vêm, caminha-se sem tropeço ou hesitação, não existe medo porque nada se vê, só a luz guia do céu, nada se poderá recear se não nos assusta, apenas se receia o nós o que está connosco mas ali na noite não há reflexos nem tempo para pensar neles, há que seguir a lua  que também se move na noite e nos faz ir em  sua busca. Assim saí e enquanto caminhava ouvi a voz de alguém que me fez embrenhar ainda mais na floresta da noite, na montanha que surgiu na minha frente sem dela dar conta, mas, mas não encontrei ninguém, apenas vi o brilho da luz que sobre a noite iluminava os que à rua fizeram questão se entrar. E agora que a noite se acaba e és tu que vais dormir vou sonhar acordada que mais à noite me vás acordar para a ti seguir no escuro da noite sem dela ter medo ou receio. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Ser justo para com quem nos magoou é uma tarefa difícil mas ser justo para connosco é ainda mais.  

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"Um jardim"

Tenho um jardim e esse jardim tem uma porta e essa porta tem uma chave que abre e fecha. Muitas vezes está fechada mas tem sempre a chave na porta. No jardim estão flores de todos os tipos, com muitas cores outras com poucas, algumas com espinhos que nem sempre picam, umas cheiram bem outras nem por isso. No jardim as quatro estações acontecem e o tempo passa como se fosse lá fora mas não tão depressa, um pouco mais devagar, ainda assim o tempo passa, sempre passa. Por vezes alguém entra, sempre entra alguém por uma porta que tem a chave, e depois de entrar sai, sempre sai alguém por uma porta que tem chave. Não têm tempo para ver o jardim, não têm tempo para as flores, não estão na moda, não falam como as outras, demasiado ingénuas, demasiado jovens, demasiado belas, demasiado duras, demasiado complicadas, demasiado para ter tempo, demasiado, demasiado, demasiado...
Tenho um jardim mas é um jardim que muito poucos ficam para conhecer, sentar e esperar que as flores abram assim que o sol nasce e ver as outras flores que lá dentro trazem. Tenho um jardim e esse jardim tem uma porta e essa porta tem uma chave. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

"O dia do meu aniversário"

O dia do meu aniversário é escolhido ou decidido pelo momento em que me separo e o cordão é cortado daquela a quem pertencia e da qual era um só. No momento em que um mundo acaba e começa outro e nesse mundo os dias e horas são contados como que a lembrar que a efemeridade dos tempos devem ser festejadas ao segundo. Um dia mais, um mês mais, um ano mais, como se contar mais fosse viver mais, como se mais fosse mais quando é exactamente ao contrário o menos é muito maior, é no intervalo dos dias que se festeja, é nos segundos de festa que se celebra, é nos momentos que se vive. O dia do meu aniversário é o prazer de ser e não o contar dos dias, é a consciência de estar e gostar que me faz sorrir. É estar outra vez dentro daquela de quem éramos um só e não existir tempo porque não se sabe como o contar, ser cego, surdo e mudo para o mundo de cá de fora mas existir em certezas nenhumas, em memorias algumas, e ainda assim sentir o conforto de se estar a ser contado como ser. 

domingo, 1 de julho de 2012

"Um coração"

Já seguraste dentro da tua mão um pássaro? Um pequeno pássaro? Daqueles que cabem por inteiro na tua mão? É como segurar  um coração cheio sem pontas descaídas, inacabadas com fios por cortar. Um coração inteiro bate forte dentro da palma da mão, tão forte que seria para nós capaz de ultrapassar o corpo da frágil da ave e tomar assim o seu lugar. Bate de medo, do desconhecido que mesmo sendo conhecido se desconhece, de si mesmo e do que lhe aparece, bate forte, tão forte que não lhe consigo já fechar a mão para o segurar e mantenho-a assim entreaberta, entre a guarda e a fuga, sentindo na minha mão um coração por inteiro. E estranho...estranho é que me sinto cair da grandeza do meu tamanho capaz de numa mão segurar um coração, para a servidão de não perturbar aquele pequeno tambor que toca sem notas ou pautas, no caos do que não sabe. Acalmar? Como posso acalmar esse pequeno passarinho na minha mão? Esse coração que não sabe do que bate, apenas que se sente preso ao que desconhece. Não posso. Um pequeno pássaro voa e de lá do cimo dos seus ventos, no bater das suas asas espero que olhe para mim, veja nos meus olhos que sou apenas eu e mais ninguém. Que sou eu que na minha mão o segurava e que ela de palma aberta virada ao alto o espera e aguarda que nela venha pousar porque quer.