(Este blog é totalmente dedicado a Laura e Lara, para quem todas as mensagens que aqui posto, me dirijo. Sem dizer adeus.)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Perdi-me nos fios do Tempo
Em que as Moiras me fiavam o destino
Por ter cortado as cordas
Que me conduziam nas mesmas voltas
Acordei na hora do orvalho
Na primeira hora do dia
Uma pétala de rosa me trouxe
Um beijo em pensamento triste
Se te dissesse sim saberias que te disse não
Se te dissesse sim seria uma mentira
Te digo agora em vez de um sim um não
Para que a hora do sim não esteja perdida

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Comecei a falar tarde, bem, mas tarde. Não estava zangada com as palavras, compreendia-as e assentia-as em mim, mas não lhes respondia por sons. Respondia no grito do silêncio.
Os meus pais achavam-me graça e o meu pai dizia - Titi vai ali buscar-me os chinelos! E eu ia. - Titi, vai buscar o café do pai! E eu ia. Sem dizer palavra, e ia. 
Porquê Titi, de onde vem o Titi...Não é o meu nome mas eu ia. Ia e achavam graça! Eu não falar mas compreender e ir. 
Ainda sou uma criança calada. Calada. Muitas vezes calada. A calada que vai. Que não fala. E eu tenho tanta coisa para falar. Explicar em movimentos de sons ritmados o que digo quando estou calada. 
Porque eu falo. Oh se falo, tanto que por vezes já nem me posso ouvir e tenho de me calar. Apenas falo cá dentro, em registos inadiáveis. Porque é que não falo lá fora???..... 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

De manhã ao frio, quando se sai de casa, a pele gela no rosto, como se uma  mão fria nos tocasse. Abro a boca e o calor do corpo sai em vapor quente mas por ter a boca aberta os dentes também esfriam e ao caminhar roçam na parte interior do lábio inferior. A pele aí é diferente, mais macia, talvez pelo constante contacto com a saliva. Roça, emudece, esfria e por entre os dentes o vapor quente surge. Roça e esfria e sem pensar a língua surge entre o lábio e o dente, quente e frio, mole e duro, seco da pele de fora, molhado da pele de dentro. Caminhas e a oscilação de tudo faz esquecer o frio na língua que se agita....

sábado, 9 de fevereiro de 2013

"As árvores também falam"

Disse para a criança a meu lado.
-Anda comigo. Vamos ajudar uma amiga que está doente.
-Uma amiga? Que amiga?
-Uma amiga dos dois e de toda a gente, embora nem toda a gente seja amiga dela.
-Como é que ela é?
-É grande mas já foi pequenina assim como tu.
-Assim como eu?
-Sim, assim como tu.
-E onde é que ela está?
-Está ali na praça, ao pé do banco onde nos costumamos sentar.
-O que é que ela tem?
-Está doente.
-Mas o que é que ela tem?
-Um caroço nasceu-lhe no tronco que a faz ficar triste e murcha. Nada a anima, temos de ir ajudá-la.
-Sim, eu quero ajudar.
-Então vamos lá, ela está à nossa espera.
-Sim.
-Olha, olha ali ela, no meio da praça.
-Onde? Não vejo nada!!!
-Ali! Mesmo ao pé do banco de jardim, no meio da praça.
-Mas eu só vejo uma árvore grande lá!!!
-Bem...!! É essa a nossa amiga!
-Amiga?
-Sim, ela é nossa amiga.
-E como sabes que está doente?
-Ela disse-me.
-Mas as árvores não falam!!!
-Falam sim, nós é que nem sempre a ouvimos. Gostamos mais de ouvir outras coisas.
-Então e como vamos ajudá-la?
-Fácil! É só preciso tirar este fungo que se agarrou à arvore e depois ela fica bem.
-Oh!! Mas ele é bonito e a arvore já é velha. Não o podemos deixar!
-Nem tudo o que é bonito é bom. Se o deixarmos ficar ele a matará e ela já não poderá mais ser tua amiga.
-Porque é que ela é minha amiga?
-Porque ela dá-te sombra nos dias de calor, oxigénio para respirares...os passarinhos que tu gostas de ouvir cantar fazem ninhos nos braços dela....
-Oh!
-Ela é nossa amiga!
-Se eu a abraçar achas que ela me ouve a dizer obrigado?
-Claro que sim. Vamos abraçá-la os dois.
-E ficamos os três abraçados!!...A ouvir-nos conversar!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

"A alma da gente"

A alma da gente que a gente se esquece que tem. A alma da gente que de sorte existe na noite escura resiste e não nos deixa esquecer. Esquecer a noite, esquecer o dia, esquecer sabe-se lá mais o quê que a alma da gente tem. A alma da gente. Sempre a alma da gente que a gente acha que conhece, que acha que apalpa, que acha que está lá. A alma da gente que a gente não conhece e que se por alguma triste sorte a tivéssemos de procurar não saberíamos se era a nossa se a do vizinho. A alma da gente.
Mas o que é a alma da gente se te perguntarem, que lhes dirás que és! Procuras uma lista de adjectivos e significados, daqueles que dizem tudo e ninguém intende e despejas no outro esperando que não te pergunte o porquê e o quê. Porque o que lhe dirias se fosse a verdade, que se quisesses estar em longas delongas lhe dirias que não sabes o que és, que alma é essa que dizes que tens, a alma que a gente tem. 
Toda a gente tem dizem eles, eles que nunca a viram e dizem que tem porque lhes disseram que têm e se calhar até temos mas tu não sabes onde está, como está e como é, o que tu tocas é só o véu que a cobre. E não lhes podes contar sobre o véu, porque esse não é, não existe, o que é está por baixo,  essa é a minha e a tua, essa é a alma da gente, a alma que a gente tem.