Era uma vez uma rapaz, pobre, descuidado e feio, muito feio. No entanto era simpático, uma pobre alma bela no seu coração puro de sensibilidade ingénua de criança grande que só quer ser amado porque amar ele ama todo o ser que se lhe chega sem pedir nada. As gentes, os animais, a água, o vento, o ser que respira e o inanimado aos olhos pouco treinados que ali não vêm, na árvore, na pedra, na folha que cai a áurea perdida e encontrada do pó das estrelas.
Ele era assim, belo e feio, dependendo do ponto de vista de quem olha. Hoje era feio, e o feio era também gago desde muito pequeno.
Estava ele a pensar na estação de comboios enquanto esperava pela sua partida, a pensar nos seus e na visita que lhes faria mais logo quando chegasse a casa. A casa que sempre o acolheu e entendeu e o soube amar como era. Estava ele assim distraído quando uma bela mulher com ele se cruzou, e ele não mais dela pode desviar o olhar. Ela tinha caminhado mais uns passos para a frente dele e com os pés já no limite da linha de comboios inclinava o corpo a tentar vislumbrar a silhueta do que estava à espera. Era de manhã, ainda cedo e uma luz ainda ténue a despertar o dia atravessava as telhas partidas do tolde que a cobria, modelando-a numa sombra-luz que a transformava num ser mítico e perfeito.
E ele assim a olhava mas o olhar não lhe chegava e a ela se aproximou embora a medo, tremendo no corpo e na voz, tornando-se ainda mais gago do que o habitual.
- Me-ni-na. Eu que-ri-a a-ma-la!!
Ela virou-se assustada, não conhecia aquele homem que a abordava!
- O quê?
O feio não leu no rosto dela o susto e continuava encantado, perplexo e rendido ao ser que à sua frente estava.
- Me-ni-na. Eu que-ri-a a-ma-la!!
E ela assim o entendeu, levou as mãos ao peito, suspirou fundo e como que quando uma criança nos pede algo e a ela não sabemos recusar, assim fez ela e lhe entregou o que ao peito encostado tinha. A carteira!!
Ele de carteira nas mãos, triste e lágrimas nos olhos disse.
- Não me-ni-na, eu que-ria a-ma-la de co-ra-ção e não a-ma-la da car-tei-ra!!
E assim tudo se perdeu porque ela não o entendeu!! O dia se fez noite e tudo adormeceu!